Talvez agora algumas personalidades
mais aguçadas no saber possam ter a oportunidade de se aprofundarem ainda mais
nos conceitos tidos, por mim, como a visão do "advogado do diabo".
Sempre me refiro assim a algum fato quando quero mostrar o outro lado desse
mesmo fato, por isso entendo que o texto abaixo (extenso por sinal) está para
minhas explicações assim como para suas dúvidas quanto ao que eu falo.
Desde os tempos mais remotos da
humanidade (agora a discordância do convívio entre Neandertais com modernos...
?) sabemos que a dor e a paz caminham lado a lado devido a infinidade de
conhecimentos que a mente humana ainda não alcançou, portanto devemos atentar,
pelo menos os mais famintos por conhecimentos, aos informativos peculiares e
providencias desse texto maravilhosamente escrito por Maurício Horta e enviado
pela psicoterapeuta Maísa Intelisano.
Ótimo, viu?
Iran Damasceno.
O lado bom das coisas ruins
Depressão, timidez, pessimismo... Tudo
isso tem mais do que um lado bom: podem ser peças fundamentais para uma vida
melhor e mais feliz.
A mulher mais rica do Reino Unido
ganhou sua fortuna escrevendo um livro juvenil durante uma crise de depressão, enquanto sustentava sua filha com
ajuda do governo. Tinha acabado de perder o emprego e de se divorciar. O maior
filósofo do século 20 não passou no vestibulinho do colegial e sofreu bullying
na escola por escrever errado, ter péssima memória e não fazer amizades - não
se interessava em conviver com pessoas. Humanos também não eram os seres
prediletos do mais conhecido intérprete de J. S. Bach, que não tocava para
plateias nem deixava que pessoas encostassem nele. E o inventor da lâmpada era
tão avoado que foi expulso da escola aos 8 anos e precisou estudar em casa.
J. K. Rowling, Ludwig Wittgenstein, Glenn Gould e
Thomas Edison. Essas pessoas atingiram o sucesso não
apesar de suas falhas, mas por causa delas. Certos padrões de personalidade e de
ânimo considerados até mesmo transtornos mentais foram selecionados ao longo da
evolução. Talvez essas adaptações não sejam tão vantajosas hoje quanto na época
em que vivíamos fugindo de predadores, lutando com rivais e caçando presas. Mas
tais peculiaridades preenchem os buracos criados pela normalidade da maioria
das pessoas.
Desatentos conseguem captar ao mesmo
tempo vários estímulos do ambiente e, com isso, fazer associações inesperadas,
criativas. Outras pessoas não conseguem se interessar pelo que há à sua volta,
mas exatamente por isso concentram-se dias a fio num só raciocínio e chegam a
conclusões geniais. Aansiedade nos
protege de pagar para ver uma ameaça, e a tristeza e o pessimismo nos fazem desistir de ilusões.
Portanto, se você tem amigos
esquisitos, sinta-se sortudo. Você se acha meio diferente? Saiba nas próximas
páginas por que isso pode ser bom.
Do ponto de vista clínico, não há nada
de bom na depressão. Ela
aprisiona no sofrimento pessoas que, paralisadas, não conseguem tomar atitudes
que melhorariam sua vida. Isolam-se socialmente e tendem a remoer um problema. Às vezes, até a morte. Mas não. Até ela
tem seu lado positivo. Para começar a entender qual é esse lado, temos que
responder a uma pergunta: por quê, afinal, a depressão existe? Uma hipótese é a de que,
conforme a civilização se desenvolveu, o homem alterou seu ambiente numa
velocidade maior do que sua capacidade de adaptar-se a ele. Evoluímos para
viver em grupos de 50 a 70 membros seguindo o ciclo do Sol, com a preocupação
de obter alimento e procriar. Agora as coisas mudaram um pouco: temos de nos
preocupar com contas, imagem, carreira... E muitos planos acabam frustrados -
talvez mais do que a cabeça foi feita para aguentar. Pior: temos hábitos
sedentários e, graças à luz artificial, fazemos nosso corpo funcionar no tempo
do relógio, e não no do Sol. Tudo isso explicaria por que a prevalência
da depressão tem
aumentado. "É o mesmo que ocorre com nosso sistema cardiovascular, que não
evoluiu para dar conta de alimentos gordurosos e pouco exercício", afirma
Paul Gilbert, da Universidade de Derby, no Reino Unido.
Mas
não é só isso. Outra corrente defende que
a depressão existe
porque foi talhada pela seleção natural, ou seja: porque oferece vantagens a
seus portadores. Segundo o médico Randolph Nesse, da Universidade de Michigan,
ela teria a mesma função da dor: garantir nossa sobrevivência diante de um
risco. Quando um tecido está prestes a ser lesionado durante alguma atividade
física, nossos neurônios transmitem um estímulo que nos impede de seguir além
de nossos limites. A depressão funciona da mesma forma - mas, em
vez de impedir fisicamente que você assuma um risco, ela atua no ânimo. A
euforia e a depressão serviriam
para regular nossas ações na busca por um objetivo. Um dos primeiros cientistas
a pensar isso como uma adaptação foi o psicólogo americano Eric Klinger. Num
artigo de 1975, ele analisou como o humor melhora conforme o progresso na busca
de um objetivo. Isso motiva a pessoa a continuar a se esforçar e assumir riscos
cada vez maiores. Quando esses esforços começam a falhar, uma piora no ânimo a
faz voltar atrás, preservar suas reservas e reconsiderar opções. Essa piora,
essa depressão leve,
abre espaço para a introspecção e o autoexame necessários para tomar decisões
difíceis, como desistir de objetivos inalcançáveis e buscar novas metas. Foi
justamente o que observaram pesquisadores da Univerdidade da Colúmbia
Britânica, no Canadá. Por 19 meses, eles acompanharam 97 adolescentes,
analisando sua capacidade de deixar de lado objetivos muito difíceis (ou
inalcançáveis), como virar um músico famoso, e abraçar outras metas, como dar
duro para entrar numa boa faculdade. Enquanto isso, os pesquisadores também
observaram sintomas de depressão nos voluntários. Conclusão: as
pessoas com sintomas de depressão leve conseguiam abrir mão com mais
facilidade de objetivos irrealistas. Elas davam menos murro em ponta de faca. E
tendiam a sair da adolescência menos machucados, mais felizes, do que os
esmurradores de lâminas.
Você está perdido no meio do nada. E
ouve um ruído longínquo de animal. O bicho pode ser um tatu ou uma onça. Se
você ficar apavorado e sair correndo até um lugar seguro antes que uma possível
onça se aproxime, vai ter gasto 200 calorias em 10 minutos. Se não correr e
depois for surpreendido por um leão, perderá seu corpinho inteiro - isto é, 200
mil calorias. Por esse raciocínio frio e puramente matemático, valeria a pena
ter um ataque de pânico se a probabilidade de o ruído ser de um leão for maior
que 1 em 1 000, conclui Randolph Nesse em sua empreitada em busca das causas
evolutivas de transtornos mentais. Isso justifica por que é bom sentir medo
mesmo quando a ameaça é pequena. E ansiedade é isto: medo de algo que não é
necessariamente real. Mais: tal como o amor, ela é uma emoção. E uma emoção é
um padrão de resposta diante de situações que podem trazer riscos ou
oportunidades. A paixão ajuda a cortejar um parceiro, a raiva nos afasta de alguém
quando desconfiamos que fomos traídos, e a ansiedade nos faz fugir ou lutar quando
sentimos ameaçados. E isso acontece sem que pensemos. Quando bate a ansiedade, o fígado começa a liberar glicose, a
frequência cardíaca aumenta, menos sangue circula pela pele e mais vai para os
músculos. Assim, o corpo fica preparado para reagir - a animais, à altura, a
trovões, à escuridão ou ao escrutínio público. E também a coisas mais sutis,
como um trabalho insuportável ou um relacionamento falido. Ou seja: a ansiedade também pode funcionar como um
alarme para que você mude de vida quando necessário. Um alarme que não temos
como fingir não escutar.
Para começar, precisamos de pessimistas
por perto. Como diz o psicólogo americano Martin Seligman: "Os
visionários, os planejadores, os desenvolvedores, todos eles precisam sonhar
com coisas que ainda não existem, explorar fronteiras. Mas, se todas as pessoas
forem otimistas, será um desastre", afirma. Qualquer empresa precisa de
figuras que joguem a dura realidade sobre os otimistas: tesoureiros,
vice-presidentes financeiros, engenheiros de segurança...
Esse realismo é coisa pequena se
comparado com o pessimismo do filósofo
alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Para ele, o otimismo é a causa de todo
sofrimento existencial. Somos movidos pela vontade - um sentimento que nos leva
a agir, assumir riscos e conquistar objetivos. Mas essa vontade é apenas uma
parte de um ciclo inescapável de desilusões: dela vamos ao sucesso, então à
frustração - e a uma nova vontade.
Mas qual é o remédio, então? Se livrar
das vontades e passar o resto da vida na cama sem produzir mais nada? Claro que
não. A filosofia do alemão não foi produzida para ser levada ao pé da letra.
Mas essa visão seca joga luz no outro lado da moeda do pessimismo: o excesso de otimismo - propagandeado
nas últimas décadas por toneladas de livros de autoajuda. O segredo por trás do
otimismo exacerbado, do pensamento positivo desvairado, não tem nada de
glorioso: ele é uma fonte de ansiedade. É o que concluíram os psicólogos John
Lee e Joane Wood, da Universidade de Waterloo, no Canadá. Um estudo deles
mostrou que pacientes com autoestima baixa tendem a piorar mais ainda quando
são obrigados a pensar positivamente.
Na prática: é como se, ao repetir para
si mesmo que você vai conseguir uma promoção no trabalho, por exemplo, isso só
servisse para lembrar o quanto você está distante disso. A conclusão dos
pesquisadores é que o melhor caminho é entender as razões do seu pessimismo e aí sim tomar providências. E
que o pior é enterrar os pensamentos negativos sob uma camada de otimismo
artificial. O filósofo britânico Roger Scruton vai além disso. Para ele, há
algo pior do que o otimismo puro e simples: o "otimismo inescrupuloso".
Aquelas utopias que levam populações inteiras a aceitar falácias e resistir à
razão. O maior exemplo disso foi a ascensão do nazismo - um regime terrível,
mas essencialmente otimista, tanto que deu origem à Segunda Guerra com a
certeza inabalável da vitória. E qual a resposta de Scruton para esse otimismo
inescrupuloso? O pessimismo, que,
segundo ele, cria leis preparadas para os piores cenários. O melhor jeito de
evitar o pior, enfim, é antever o pior.
Escolas valorizam trabalho em grupo.
Processos seletivos jogam candidatos em dinâmicas para identificar líderes
natos. Empresas colocam seus funcionários em amplos escritórios sem divisórias
e colhem ideias em brainstorms com uma dezena de pessoas - vale tudo, menos ter
vergonha de falar besteira. Vivemos no mundo dos extrovertidos. Mas há
pesquisadores que veem essa valorização do trabalho coletivo e da extroversão
como um tiro no pé. "O mundo está desperdiçando o talento das pessoas
tímidas", defende Susan Cain em seu livro Quiet (Quieto, sem versão
brasileira), que compila estudos sobre o assunto.
Mas como a timidez pode ser positiva, afinal? Para
responder a isso, precisamos esclarecer uma coisa - ser introvertido não
significa ser fechado ao exterior. Muito pelo contrário. É ser sensível demais
a ele. É o que tem demonstrado desde a década de 1960 o psicólogo Jerome Kagan.
Em seu estudo mais importante, ele juntou 500 bebês de 4 meses em seu
laboratório em Harvard para observar como reagiam quando estimulados com sons,
imagens coloridas em movimento e cheiros. Então separou o grupo dos que reagiam
muito - 20% deles - e o dos que reagiam pouco - 40%. Suas pesquisas anteriores
lhe permitiram predizer o contrário do que a intuição sugere: os muito reativos
se tornariam os futuros introvertidos. Aos 2, 4, 7 e 11 anos de idade, essas
crianças voltaram ao laboratório de Kagan. As que haviam sido classificadas
como muito reativas desenvolveram personalidades sérias, cuidadosas, enquanto
as pouco reativas se tornaram mais relaxadas e autoconfiantes - a futura turma
do fundão. Isso porque a amídala (estrutura do sistema límbico, responsável por
reações instintivas, como apetite, libido e medo) é mais facilmente estimulada
em crianças muito reativas. Ou seja, são mais alertas, mais sensíveis a
estímulos novos. Suas pupilas se dilatam mais, suas cordas vocais ficam mais
tensas, sua saliva tem mais cortisol - um hormônio do estresse - e seu
batimento cardíaco se acelera mais. Um pouco de novidade já implica em vontade
de se proteger. O lado negativo é que são mais vulneráveis àdepressão e à ansiedade. Mas, ao mesmo tempo, podem ser mais
empáticas, cuidadosas e cooperativas, desde que se sintam em sua zona de
conforto. "Crianças muito reativas podem ter maior probabilidade para se
tornar artistas, escritores, cientistas e pensadores, pois sua aversão a
estímulos novos as faz passar mais tempo no ambiente familiar - e
intelectualmente fértil - de sua própria cabeça", diz Cain. Um
introvertido concentra a mente numa só atividade, em vez de dissipar energia em
assuntos não relacionados ao trabalho - estudos do programador americano Tom
DeMarco com 600 colegas mostram que o que define a produtividade no setor de TI
não é o salário nem a experiência, mas o quão isolado é o ambiente de trabalho.
A solidão também permite focar-se nas próprias falhas e treinar até chegar à
perfeição. É esse tipo de prática que cria grandes atletas e virtuoses
musicais.
Ludwig Wittgeinstein, gênio da
filosofia, começou a falar só aos 4 anos. Estudou com tutores particulares em
sua casa, em Viena, até os 14 anos. Sem conseguir passar no vestibulinho do
colegial, foi parar em 1903 na escola técnica de Linz (a mesma de Adolf Hitler,
de quem não foi colega, pois o futuro ditador estava dois anos atrasado nos
estudos). Mas ele simplesmente não se interessava pelos colegas. A solidão e a
dislexia fizeram dele um perfeito alvo de bullying. "Nunca consegui
expressar metade do que queria. Na verdade, não mais que um décimo",
contou em suas memórias.
Assim foi o jovem Wittgenstein. Mas sua
excentricidade e o fato de ter revolucionado a filosofia no século 20 não são
uma contradição, segundo o professor Michael Fitzgerald, do Trinity College, em
Dublin. O psiquiatra vê em sua biografia sintomas que caracterizam a síndrome de
Asperger - um tipo deautismo que,
aliado a um intelecto avantajado, pode ser a base da genialidade.
Todo autista se foca obsessivamente em
interesses muito específicos, tem comportamentos repetitivos e não se interessa
em interagir com outras pessoas. Mas, enquanto a imagem mais comum é a da
criança ensimesmada balançando para a frente e para trás, o espectro do autismo vai desde o atraso mental até o
desenvolvimento linguístico e cognitivo completo - caso da síndrome de
Asperger. Quem tem essa síndrome não se interessa em dividir experiências e
emoções, tem padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento e
de interesses e não abre mão de sua rotina. Isso torna o convívio difícil - mas
pode ter um efeito colateral inesperado.
"Muitas características da
síndrome de Asperger aumentam a criatividade", escreve Fitzgerald em
Autism and Creativity (Autismo e
Criatividade). "Pessoas assim têm uma capacidade extraordinária para
focar-se em um tópico por um longo período - dias, sem interrupção nem mesmo
para as refeições. Não desistem diante de obstáculos." E não é apenas a
concentração. A forma como entendem o mundo é diferente. Quando veem uma coisa,
apreendem o detalhe para então sistematizar como funciona o geral - enquanto a
maioria das pessoas apreende o geral para depois se afunilar em detalhes. Isso
é um enorme ponto positivo para engenheiros, físicos, matemáticos, músicos.
Não que não haja um lado negativo.
Portadores da síndrome de Asperger também têm dificuldade em aceitar e adotar
regras sociais. Por isso, muitas vezes parecem ter personalidade infantil.
Quando entrou para a faculdade de engenharia, Wittgenstein se fascinou pela
obra Os Princípios da Matemática, de Bertrand Russell. Em 1911, mudou-se para a
Universidade de Cambridge para estudar com Russell. Nos primeiros dias, chegava
à sala do mestre à noite e seguia até a manhãzinha desdobrando suas ideias como
que em um monólogo. Em 1926, quando terminou a defesa oral de sua tese de
doutorado, deu um tapinha nos ombros dos examinadores. "Não se preocupem.
Eu sei que vocês nunca conseguirão entender", disse. Wittgenstein começou
então a dar aulas. Em seus seminários, era como se não houvesse uma audiência.
Lutava com seus pensamentos e volta e meia caía em silêncios que nenhum
estudante ousava interromper. Qualquer comentário que considerasse estúpido era
retrucado brutalmente.
Para escrever Investigações
Filosóficas, sua maior obra, ficou isolado numa cabana na Irlanda. Certa vez, o
caseiro, que o havia visto conversando, perguntou-lhe se tivera uma boa
companhia. A resposta foi: "Sim, falei muito com um ótimo amigo - eu mesmo".
Numa carta a Bertrand Russell, escreveu: "Estar sozinho me faz um bem
infinito, e não acho que agora poderia suportar a vida entre pessoas". O
único grande prazer social do filósofo era discutir seus interesses - lógica,
linguística e música. O mundo real pouco lhe importava.
O
gene da engenharia
Todo engenheiro é um pouco autista.
Essa é a conclusão, polêmica, do psiquiatra Simon Baron-Cohen, de Cambridge.
Simon buscava identificar se estudantes com sintomas da síndrome de Asperger
tinham predisposição a escolher alguma área específica de conhecimento. Fez um
levantamento com graduandos de Cambridge e viu que alunos de exatas eram os
mais propensos a ter os sintomas. O estudo fez barulho suficiente para que os
pais de alunos de Eindhoven, na Holanda, entrassem em contato com ele depois de
identificarem uma epidemia de autismo na cidade, conhecida pela concentração de
empresas tecnológicas. Baron-Cohen comparou Eindhoven com Haarlem e Utrecht -
que têm número semelhante de habitantes - e levantou a porcentagem de pessoas
empregadas em tecnologia: 30, 16 e 17%, respectivamente. Depois, pesquisou a
prevalência de autismo diagnosticado nas cidades: 229 por 10 mil crianças em
Eindhoven, contra 84 e 57 nas outras. Para Baron-Cohen, isso é indício de que
regiões onde pais têm empregos relacionados à "sistematização", como
o da tecnologia da informação, terão uma taxa de autismo maior em suas
crianças. É um resultado polêmico: indica que as pessoas naturalmente mais
aptas para as ciências exatas carregam mais genes ligados ao autismo do que a
média da população. E mais: é uma evidência de que essa aptidão seja, por si
só, uma forma leve de autismo.
Einstein,
o autista
O psiquiatra Michael Fitzgerald
identificou traços da síndrome de Asperguer, uma forma moderada de autismo, em 42 personalidades históricas. Conheça
algumas delas.
ALBERT
EINSTEIN
"Meu senso de justiça e de
responsabilidade social sempre se contrastou com minha falta de necessidade de
contato direto com outras pessoas ou comunidades. Sou de fato um viajante
solitário e nunca pertenci a meu país, à minha casa, aos meus amigos ou mesmo à
minha família", escreveu o físico nos ensaios Como Vejo o Mundo.
GLENN
GOULD
Um dos maiores pianistas do século 20
não deixava ninguém tocá-lo e, quando mais velho, só se comunicava com o resto
do mundo por telefone ou por cartas. Aos 32 anos parou de tocar em público e se
fechou no estúdio. Afinal, para ele tocar música era um ato tão íntimo que não
dava para conciliá-lo com a audiência.
LEWIS
CARROLL
O escritor americano Mark Twain chegou
a dizer que Carroll, matemático autor de Alice no País das Maravilhas, era
interessante "somente para olhar." Era o homem "mais estiloso e
mais tímido" que já tinha visto. Não dava autógrafos nem deixava ser
retratado - mesmo sendo ele mesmo um fotógrafo amador. "Minha aparência e
minha escrita pertencem somente a mim", escreveu em uma carta.
FRACASSO
Quando destruímos um relacionamento,
somos demitidos ou vivemos qualquer outra grande frustração nessa linha, não
tem muito jeito: sentimos não só que um plano deu errado, mas que falhamos como
pessoa.
Nossa mente, porém, evoluiu com uma
defesa contra isso: ela ignora o que não quer saber. Uma área do cérebro
chamada córtex cingulado anterior é ativada quando percebemos que alguma coisa
deu errado. É como se fosse o mecanismo do "putz!". Com ele,
excitamos mais uma região - o córtex pré-frontral dorso-lateral. Ele é o
"censor" da mente, responsável por apagar determinado pensamento.
Esse mecanismo duplo - primeiro o
"putz" e depois o "esquece" - permite editar nossa
consciência conforme nossa vontade. Assim, conseguimos deixar para trás nossos
fracassos.
Isso também acontece com cientistas. No
início da década de 1990, Kevin Dunbar começou a observar os laboratórios de
bioquímica da Universidade de Stanford. Descobriu que a metade dos dados
obtidos nas pesquisas não batia com o que suas respectivas teorias previam. Os
resultados às vezes simplesmente não faziam sentido. A reação então era típica:
primeiro, os pesquisadores procuravam um bode espiatório - alguma enzima ou
máquina devia não ter funcionado direito. Então repetia-se o experimento.
Quando o resultado inesperado acontecia de novo, o experimento inteiro era
considerado um fracasso e acabava arquivado. O que os pesquisadores não
percebiam é que o mecanismo "putz, esquece" de sua mente os cegava.
Dunbar então observou grupos de estudo com pesquisadores de diferentes áreas -
biólogos, químicos e médicos. O fato de ter pessoas com um olhar de fora fez com
que os bioquímicos, em vez de jogar fora o experimento, abrissem os olhos e
repensassem suas teorias. Assim puderam reavaliar suas convicções e muitas
vezes encontrar o caminho que funcionava. Moral da história: entender o porquê
de um fracasso pode ser o melhor atalho para o sucesso.
É mais ou menos o que aconteceu com a
britânica Joanne Rowling. Quando era adolescente, tudo o que seus pais
esperavam dela era que não fosse pobre como eles. E tudo o que ela queria era
ser escritora. Para arranjar um meio-termo entre seu desejo e o dos pais, fez
faculdade de letras. Terminados os estudos, sua vida virou uma sucessão de
fracassos. Tentou agradar os pais trabalhando num escritório, mas não suportava
a chatice do dia a dia. Quando a mãe morreu, mudou-se para Portugal para dar
aula de inglês. Em 3 anos, casou-se, teve uma filha e se divorciou.
Desempregada e descasada, mudou-se para a Escócia, onde, deprimida, foi viver
da ajuda financeira do Estado. Quando Joanne estava no ponto mais fundo de seu
fracasso, começou a escrever um livro. Levou um "não" de 8 editoras -
até conseguir uma que publicasse seu Harry Potter e a Pedra Filosofal. Adotou o
nome artístico de J. K. Rowling e, em 3 anos, se tornaria a mulher mais rica do
Reino Unido. E, para ela, o ingrediente de seu sucesso foi o fracasso. "O
fracasso significa eliminar tudo o que não for essencial. Parei de fazer de
conta para mim mesma que era uma pessoa diferente e comecei a direcionar toda
minha energia em terminar o único trabalho que importava para mim", disse
a uma plateia de graduandos de Harvard durante uma conferência do TED
(instituição que organiza conferências sobre novas ideias). E arrematou:
"Me senti liberta, porque meu maior medo já tinha acontecido. E ainda
assim eu continuava viva".
DÉFICIT
DE ATENÇÃO
De 3 a 5% das crianças em idade escolar
são daquelas distraídas e agitadas, que perdem tudo, não conseguem fazer a
lição, não esperam sua vez e agem sem pensar. Têm o transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH). Quando crescem, os sintomas diminuem, mas os
problemas, não. Podem até piorar - afinal, as responsabilidades são outras. O
que se esquece não é mais a lição de casa, mas prazos e reuniões. Trabalhos são
abandonados pela metade, ordens são ignoradas. A impulsividade pode custar o
emprego ou o relacionamento. Por que isso é tão comum? A resposta é semelhante
à daansiedade e
da depressão - essa
característica já foi uma vantagem adaptativa, até que a cultura e o ambiente
mudaram. Em sociedades nômades, quem tem foco de atenção disperso é capaz de
cuidar melhor de seu gado, explorar áreas desconhecidas e ficar alerta para
ameaças. Dan Eisenberg, da Northwestern University, EUA, observou em tribos
africanas nômades e sedentárias. Entre os nômades, os que tinham o alelo 7R
(ligado ao TDAH) eram mais bem nutridos do que os sem. Já nas sedentárias,
acontecia o contrário. Em outras palavras, conforme o homem se estabeleceu num
só lugar e começou a viver de atividades que exigem mais foco, a atenção
dispersa virou desvantagem. Mas não tanto. Os mesmos genes que hoje estão
associados ao risco são responsáveis por revoluções nas artes, ciência e
exploração, acredita o psiquiatra Michael Fitzgerald, do Trinity College.
Michael, que já tinha procurado traços de autismo na biografia de personalidades, não
demorou para fazer o mesmo com o TDAH. Segundo ele, sintomas de déficit de
atenção estão presentes em Thomas Edison, Oscar Wilde, Kurt Cobain (que foi
diagnosticado quando criança) e até em Che Guevara. Quem tem a cabeça na Lua
pode encontrar lá em cima coisas que pessoas com o pé no chão não veem.
Superávit
de criatividade
Quem tem TDAH é ótimo em brainstorms,
pois não se sente inibido para dar ideias aparentemente estranhas. As
psicólogas americanas Holly White e Priti Shah testaram um grupo de 90
universitários divididos entre os com e os sem TDAH. Elas pediram para que cada
grupo propusesse usos para um tijolo e para um balde em 2 minutos. Resultado:
os desatentos se deram melhor no número de usos, na diversidade dele e,
principalmente, na originalidade. Entre as soluções do grupo com TDAH estavam
usar o tijolo para escrever em superfícies como concreto ou o balde como
guitarra - se você adicionar cordas e um pau ali. Só faltava verificar isso no
mundo real. As pesquisadoras, então, fizeram isso num segundo estudo, de 2011.
Deram a 60 universitários um questionário sobre quais seus êxitos em 10 áreas
criativas: artes cênicas, humor, música... Os desatentos tiveram níveis mais
altos em todas as categorias.